Sete passos para lidar com a raiva. Maria Alice Fontes

A raiva é gerada quando temos expectativas frustradas. Esperamos que as pessoas nos tratem com atenção e respeito, mas elas nem sempre tratam. Esperamos que os combinados sejam cumpridos, mas nem sempre isso acontece. Esperamos que o governo cuide da nossa segurança pública, e muitas vezes ele não o faz. 

Toda vez que se cria um espaço entre a expectativa e a realidade, a raiva preenche esse espaço. Cada vez que alguém quebra uma regra nossa, viola um contrato ou age contra nossos desejos, é como se estivéssemos recebendo um convite formal para um evento cheio repleto de descontrole e raiva. Podemos recusar. Podemos aceitar. A escolha é nossa!

A seguir, apresento uma reflexão sobre como lidar com a raiva, de sete etapas desenvolvido por Norman Cotterell, PhD. Esse artigo, por sua vez, foi influenciado pelas obras de Aaron Beck, “Prisoners of Hate” e “Cognitive Therapy of Substance Abuse”.

Preparação – Avalie suas opções

A primeira etapa para lidar com a raiva é reconhecer que há sempre uma escolha. Há uma infinidade de coisas que não controlamos: o clima, o passado, as outras pessoas, pensamentos intrusivos e sensações físicas, até mesmo as emoções.

Mas há algo dentro disso que podemos controlar completamente: nossa capacidade de escolher. Escolhemos, por exemplo, o que fazer em resposta ao clima: colocar um casaco. Podemos escolher também o que aprendemos com o passado, como responder a outras pessoas e o que fazer com nossos pensamentos intrusivos, emoções e sensações. Podemos escolher focar nas coisas que não controlamos ou nas coisas que controlamos. Qual será a sua opção?

Uma técnica útil para reconhecer essa escolha é uma análise simples de custo-benefício. Lembra de alguém que lida com a raiva de uma maneira que você respeita e admira? Pare um minuto para pensar e coloque essa pessoa na sua mente. Que palavras você usaria para descrever o estilo dela? Calmo, tranquilo e sereno? Tranquilo? Assertivo? Controlado? Gentil?  Faça a si mesmo quatro perguntas: 

  1. Quais são as desvantagens, os custos de ser como essa pessoa? 
  2. Quais são as vantagens, os benefícios da raiva? 
  3. Quais são os custos da raiva? 
  4. Quais são os benefícios de ser calmo, tranquilo e sereno? 

Reflita: Os benefícios da raiva superam os custos? Eles são maiores, menores ou iguais? Ou será que os custos da raiva superam os benefícios? Qual a proporção 50-50, 55-45, 60-40, 70-30, 80-20, 90-10 ou 100 a 0? Em seguida, faça o mesmo com os custos e benefícios de ser como a pessoa que você pensou. Aqui está um exemplo:

VANTAGENS DA RAIVA

As pessoas me respeitam

Me dá um impulso

Impede que eu exploda

Pode ser usado construtivamente 

Peso: 10 

VANTAGENS DO CONTROLE 

Não fico transtornado com a raiva

É a chave para a felicidade

Posso seguir em frente

Posso agir de forma construtiva

Não guardo rancor 

Peso: 55

DESVANTAGENS DA RAIVA

Pode ser muito nociva

Pode machucar alguém

Posso me machucar

Desgasta o corpo

Piora a situação 

Peso: 90 

DESVANTAGENS DO CONTROLE 

As pessoas podem pisar em mim

Eu tenho que aguentar muita coisa 

Eles vão continuar fazendo coisas para me irritar

Eles não se importarão com como isso me afetará 

Peso: 45

Observe que os custos da raiva são realmente os custos da agressão. Podemos não controlar a raiva, mas temos total controle sobre o que fazemos com a raiva. Podemos ficar com raiva e ser passivos, ficar com raiva e ser agressivos, ficar com raiva e ser passivo-agressivos ou ficar com raiva e sermos assertivos. É nossa escolha. A raiva pode acelerar nossas reações e parecer que nenhuma escolha está envolvida. Ainda assim, precisamos nos capacitar considerando essas opções como escolhas.

1- Quando a “Regra” é quebrada 

A primeira etapa é reconhecer quando ocorre a quebra de uma regra. Nós temos regras e expectativas para nosso próprio comportamento e para o comportamento das outras pessoas. Sentimos muita raiva quando as regras dos outros se quebram e pensamos: “Ela deveria me ouvir”, “Eles deveriam sair do meu caminho”, “Eu deveria ter total controle sobre esta situação”. Mas a verdade é que as pessoas não ouvem, elas atrapalham nosso caminho e não controlamos os resultados de nossas ações.

Primeiro, neste momento, podemos aceitar as circunstâncias. Podemos aceitar a realidade em vez de lutar contra ela, exigindo que ela não exista. A má notícia? Temos pouco controle sobre outras pessoas. A boa notícia? Temos total controle sobre nossas escolhas.

Em seguida, escolhemos uma direção com base em nossos valores. Como descobrir nossos valores? Sabemos nossos valores pelo que nos irrita, frustra e enfurece. Pergunte: “Qual o valor de vida positivo pode estar subjacente a esta regra?” “Ela deveria me ouvir” pode implicar valores de comunicação, compreensão e cooperação. “Eles deveriam sair do meu caminho” pode implicar valores de liberdade, respeito ou progresso. Não temos controle se outras pessoas agem de acordo com nossos valores. Só temos controle se nós agimos.

Finalmente, podemos agir na direção de nossos valores. Faça duas perguntas: 1) O que eu quero a longo prazo? 2) Quais etapas construtivas posso tomar nessa direção? A verdade é que as pessoas ignoram seus desejos e interferem. O que você pode fazer de maneira construtiva quando isso acontece? Você pode continuar a respeitar a privacidade, ser verdadeiro, justo e principista em suas interações com os outros. Em resumo, você pode ser parte da solução, não do problema.

2- O Que Machuca? 

A segunda etapa é examinar o que realmente nos machuca ou assusta quando nossas regras são quebradas.

Algumas regras são centrais para nossa autoestima; outras são mais distantes. Por exemplo, quando ficamos enfurecidos, podemos nos perguntar: “O que realmente está pegando aqui?” Isso pode refletir uma crença geral sobre os outros ou sobre nós mesmos. “As pessoas são rudes e insensíveis”, ou “Sou impotente para fazer qualquer coisa a respeito disso”.

O que pode doer mais é nossa incapacidade de mudar o comportamento das pessoas. Neste ponto, podemos realmente examinar a ideia: “Não há realmente evidências de que eu deveria ser capaz de mudar as pessoas. Elas são responsáveis por suas próprias crenças, comportamentos, atitudes e suposições. Talvez a sugestão dele para mim seja melhor vista como um esforço para me ajudar, e não como uma intrusão. Talvez eu possa me ver não como uma vítima, mas como uma pessoa recebendo assistência”.

3- Pensamentos Quentes 

A terceira etapa é responder aos pensamentos quentes, impulsivos e orientados pela raiva com pensamentos mais ponderados e reflexivos.

Impulsivo: “Como ele ousa!” Reflexivo: “Ele acha que está tentando me ajudar.”

Impulsivo: “Como ela pode ser tão estúpida?” Reflexivo: “Ela é humana.”

4- Identificando a ativação da raiva 

A quarta etapa é responder à própria ativação da raiva. Podemos lidar com isso praticando formas de relaxamento (relaxamento muscular progressivo, visualização, música). Ou podemos redefinir a própria raiva: a raiva pode se tornar a energia para resolver problemas.

Pode ser energia para fazer a coisa certa a serviço de nossos valores, moral e princípios mais profundos. A raiva é um problema principalmente se a usarmos em violação desses princípios, ou quando a usamos para tratar as pessoas de maneiras que consideraríamos abomináveis.

É um problema quando ela alimenta a hipocrisia e a agressão. Assim como Martin Luther King não aceitava o racismo e Madre Teresa de Calcutá não aceitava a pobreza e o sofrimento, podemos transformar a raiva em ação positiva e fundamentada em princípios.

5- Desconexão moral 

A quinta etapa é examinar as crenças que transformam a raiva em agressão. São racionalizações e desculpas que justificam atos destrutivos. “Ele mereceu.” “Só quero que eles sintam a dor que senti.” “Esta é a única maneira de fazer meu ponto de vista prevalecer.” “Que se dane, estou fora de controle.” “Não me importo.” Precisamos reconhecer que essas ideias nos enganam e nos fazem abandonar nossos valores, para  nos envolver em ameaças, sarcasmo, exigências e culpa. Podemos nos lembrar dos custos de tais estratégias e dos benefícios de buscar paciência, compreensão, empatia e graça.

6- Agressão 

A sexta etapa é examinar os comportamentos disfuncionais específicos que surgem: nos damos permissão para agir de forma agressiva e ignorar os direitos de outras pessoas.

Podemos intervir mostrando empatia para aqueles que desencadeiam nossa raiva: nos colocamos no lugar deles, imaginamos o que eles estão pensando e sentindo e trabalhamos para entender essa perspectiva. Isso pode ajudar a diminuir nossa raiva; diminuir a raiva da outra pessoa; aumentar a probabilidade de sermos ouvidos; aumentar a probabilidade de termos uma conversa racional e razoável.

7- Resultado 

A sétima etapa é reduzir o ressentimento e a culpa. Podemos tender a ver cada episódio de raiva como um fracasso que se perpetua, como um revés. Mas cada episódio pode ser um passo para o sucesso,  a partir da capacidade de examinar e agir sobre o que desencadeia a raiva, as crenças que estavam por trás dos deveres dos outros, os pensamentos reativos, o que realmente era a ativação da raiva, as crenças que permitem uma nova ação, e as estratégias que empregamos. Se fizermos isso, os episódios podem ser menos frequentes e menos intensos.

Nós somos capazes de intervir em cada uma das sete etapas. Normalmente, estamos inclinados a ver a raiva como imediata e a nós mesmos como fora de controle.

Uma visão alternativa é entender a raiva como energia que surge quando nossas expectativas conflitam com a realidade. E a partir daí, utilizar essa energia para lidar com essa discrepância. A nossa decisão mais importante é o que fazer com essa energia.

Dividir a raiva em etapas pode nos permitir reconhecer, controlar e nos dar mais opções tanto para intervenção quanto para prevenção.

Traduzido e adaptado do artigo: Seven Steps to Better Anger Management, 

Norman Cotterell, PhD

Referências:

Beck, A.T. (1999).  Prisoners of Hate.  New York:  HarperCollins Publishers.

Beck, A.T., Wright, F.D., Newman, C.F., & Liese, B.S. (1993).  Cognitive therapy of substance abuse.  New York: Guilford Press.