O que significa Processamento Auditivo Central?
O processamento auditivo central refere-se à eficiência e à efetividade com que o sistema nervoso auditivo central utiliza a informação auditiva (ASHA, 2005; Geffner, 2019). Simplificando, é o grau de eficiência com a qual o sistema auditivo utiliza a informação auditiva para aprendizagem e comunicação. É uma função cerebral e, assim sendo, não pode ser estudada como um fenômeno unitário, mas sim como uma resposta multidimensional aos estímulos recebidos por meio da audição (Ferre, 1997).
O que é o Transtorno do Processamento Auditivo Central?
O Transtorno do Processamento Auditivo Central é primariamente um déficit de percepção auditiva e deve ser diferenciado dos demais transtornos de desenvolvimento, da cognição ou da linguagem com o auxílio da avaliação de uma equipe multidisciplinar.
O TPAC é definido como um déficit em um ou mais processos auditivos centrais, sendo caracterizado por uma ou mais alterações nas habilidades de localização e lateralização sonora; discriminação, reconhecimento auditivo e dos aspectos temporais da audição como: resolução, mascaramento, integração e ordenação temporal.
Quais são os pré requisitos para realizar o PAC?
Para a realização da avaliação de processamento auditivo são exigidos alguns pré-requisitos:
– Ter idade igual ou superior a 7 anos, pois, se realizados em crianças abaixo dessa idade, a dificuldade da tarefa, a demanda e a variabilidade de respostas podem limitar severamente a utilidade da avaliação (BELLIS, 2007), além de existirem poucos testes com padrões normativos para menores de 6 anos.
– Apresentar limiares auditivos normais (audiometria recente, no mínimo 3 meses).
– Não apresentar nenhum fator de alteração de orelha média, no exame de imitanciometria.
– Ter nível cognitivo suficiente para compreender as ordens do teste.
– Não apresentar importante atraso de linguagem. Cabe ressaltar que a anamnese também é uma parte muito importante na avaliação do PAC, pois auxilia no diagnóstico, prognóstico e na indicação de encaminhamento para avaliações com outros profissionais, com a finalidade de descartar ou confirmar outras comorbidades associadas ao TPAC.
– Caso apresente perda auditiva, só poderá realizar a avaliação se a perda auditiva for do tipo neurossensorial e simétrica.
Quais os objetivos e como é realizado o exame do PAC?
O objetivo do exame do Processamento Auditivo Central é de avaliar a funcionalidade do sistema nervoso auditivo central. Esse teste avalia as vias do sistema nervoso auditivo desde sua entrada no tronco encefálico até sua chegada no córtex auditivo central e conexões inter-hemisféricas, permitindo determinar se há ou não a presença de uma disfunção, qualificar o tipo da dificuldade e direcionar as condutas e o processo terapêutico. A avaliação específica do Processamento Auditivo Central é realizada por um fonoaudiólogo que tem conhecimento, treinamento e habilidade na aplicação dos testes, como também conhecimento na avaliação comportamental e na interpretação dos resultados obtidos.
A avaliação do Processamento Auditivo Central consiste na aplicação de uma bateria de testes especiais comportamentais gravados em CD, compostos de estímulos verbais (sílabas, palavras e frases) e não verbais (padrões de frequência e de duração), especialmente gravados de modo a permitir a apresentação de sons de forma monótica (estímulos apresentados em cada orelha separadamente), dicótica (o mesmo estímulo apresentado nas duas orelhas simultaneamente e estímulos diferentes nas duas orelhas ao mesmo tempo) e com distorções (aplicação de filtros, presença de ruídos ou mensagens competitivas). Os testes são padronizados por faixa etária e são realizados em cabina acústica através de um equipamento específico ou de um audiômetro de dois canais. A quantidade de sessões para a aplicação da bateria de testes vai depender da necessidade de cada indivíduo, e o tempo de permanência em cada uma delas deve ser apropriado ao nível atencional e de motivação do sujeito em avaliação, geralmente em 1 hora é possível realizar essa avaliação.
Como é realizado o diagnóstico do Transtorno do PAC?
Depois de finalizada a avaliação, é realizada a interpretação dos resultados e verificado se existe a presença de um Transtorno do Processamento Auditivo ou não, bem como encaminhado para avaliação com outros profissionais quando se suspeita de outras comorbidades ou patologias de base.
Quais são as principais habilidades auditivas que podem ser afetadas no TPAC?
O Transtorno do Processamento Auditivo Central está relacionado a dificuldades no processamento perceptivo da informação auditiva no sistema nervoso central, que afetam o desempenho em uma ou mais das habilidades, ocasionando falhas na compreensão integral da mensagem sonora recebida. Assim, pode ser mais difícil escutar em ambientes ruidosos, como na sala de aula, por exemplo. As dificuldades apresentadas podem estar associadas ou não a problemas de atenção e memória, principalmente se o paciente está em idade escolar. Dentre as principais habilidades auditivas que podem sofrer alterações em casos de TPAC estão:
Localização sonora: capacidade de o cérebro localizar a direção de onde vem determinado som. Necessária na sala de aula, quando o professor começa a explicar uma matéria e precisamos direcionar nossa atenção, ou para manter o foco de atenção em uma pessoa quando há outros estímulos no ambiente.
Resolução temporal: percepção de variações do som em uma pequena amostra de tempo. Tais variações podem envolver mudanças na intensidade, frequência e duração dos estímulos. É uma habilidade que nos permite perceber as diferenças entre os sons produzidos a partir de movimentos parecidos, mas que diferenciam sílabas e palavras como “pato” e “bato” ou variações de ênfases, como sílabas tônicas ou terminações interrogativas, afirmativas e exclamativas.
Fechamento auditivo: nos ajuda a entender o que foi dito quando a qualidade do som não é muito boa, quando o som é distorcido ou completar informações que estão faltando dentro de um contexto. Precisamos dessa habilidade em situações como a escola, quando o professor explica a matéria e ocorre a distração, e até mesmo para conseguir compreender uma pessoa que está gripada ou com a voz rouca.
Figura Fundo: é a habilidade necessária para que possamos compreender a comunicação quando o ambiente está ruidoso. Por exemplo, quando você está ouvindo uma música e um amigo está falando ao mesmo tempo ou na escola, quando o professor está falando e ao redor existem sons competitivos vindos do corredor ou da rua, por exemplo. Nessas situações o cérebro precisa ser capaz de selecionar a informação que julgamos mais importante.
Como o uso de recursos tecnológicos pode ajudar no desenvolvimento de habilidades auditivas do processamento auditivo central?
O Conselho Federal de Fonoaudiologia liberou uma Recomendação Especial para garantir que os cuidados de saúde considerados urgentes ou essenciais sejam mantidos, liberando a teleconsulta e o telemonitoramento para os fonoaudiólogos no Brasil nessa época de pandemia. Assim, pacientes que estão em terapia podem continuar a ser atendidos e não precisam interromper o processo de estimulação das habilidades auditivas.
A tecnologia nos oferece uma série de possibilidades para tornar a estimulação das habilidades auditivas mais divertida e interessante aos pacientes. No entanto, é importante lembrarmos que ela não substitui o raciocínio do fonoaudiólogo. A proposta é que o uso de novas ferramentas esteja associado a um plano personalizado de estimulação auditiva.
Existem diversas opções de jogos e atividades direcionadas para o treinamento auditivo por meio de aplicativos, softwares e plataformas online com atividades direcionadas para todas as idades.
Quais são algumas possibilidades tecnológicas para desenvolver habilidades envolvidas no processamento auditivo?
Audacity – Editor de áudio de fácil manuseio que pode gravar, reproduzir, importar e exportar sons em diversos formatos. Permite que você use sua criatividade e produza atividades em áudio direcionadas especificamente para cada paciente.
Cocleando – Para crianças de 6 a 12 anos de idade. Inclui 14 opções de jogos que treinam habilidades de detecção, discriminação, identificação e compreensão. Disponibiliza gráficos para o desempenho e evolução do usuário.
Ear Mix – Editor de áudio específico para fonoaudiólogos, permite a gravação de estímulos monóticos e dicóticos, inserção de tons puros, distorção acústica de gravações, controle de intensidade independente para cada orelha, criação de estratégias para percepção do gap entre os estímulos e para padrões de frequência e de duração. Inclui modelos com estratégias de aplicação clínica.
Genius – Um clássico divertido em que o jogador deve acertar as várias sequências de luzes coloridas e sons executados de forma aleatória. Pode ser utilizado para treinar a capacidade de atenção, concentração, senso direcional, memória visual e memória auditiva.
Goffitunes – Treinamento das Habilidades Auditivas – O objetivo deste aplicativo é treinar a atenção aos detalhes do sinal acústico que podem contribuir na percepção auditiva da fala e, consequentemente, facilitar o seu reconhecimento. Abrange o treinamento da duração do estímulo, da intensidade do estímulo e da duração do intervalo entre os estímulos.
Memória Auditiva: Números – Estimula a memória de trabalho e o processamento auditivo por meio da memória sequencial e de números.
MemoTraining – Com estímulos auditivos e visuais alia o treino da memória operativa ao treino de habilidades fonológicas, discriminação auditiva, associação de estímulos não-verbais aos verbais, facilitando processos de aprendizagem.
MemoMusic – Software para treinamento auditivo composto por cinco jogos com desafios musicais para trabalho das seguintes habilidades auditivas: atenção, memória auditiva, discriminação auditiva, identificação de sons e melodias, ordenação e resolução temporal.
Ping Song – Aplicativo gratuito para treinamento auditivo com reconhecimento de notas musicais num divertido jogo, que se assemelha ao pingue-pongue.
SisTHA (Sistema de Treinamento das Habilidades Auditivas) – Fruto de pesquisas de Mestrado e Doutorado de profissionais da área de Fonoaudiologia e Informática da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o SisTHA é um sistema web gratuito de apoio ao treinamento das habilidades auditivas para usuários de aparelho auditivo e de implante coclear, trabalhando habilidades auditivas de detecção, discriminação, reconhecimento e compreensão.
Sleepmaker Rain – Oferece diversos tipos de sons de chuva, com diferentes intensidades, e gotas caindo em diversos materiais, como janelas, teto de carro e concreto. Ao selecionar a “chuva” desejada é possível treinar o reconhecimento dos sons.
Treino Auditivo Evollu – Aplicativo de treino auditivo por meio de pares de palavras foneticamente semelhantes. Ao percorrer um nível, o usuário terá de ouvir uma palavra aleatoriamente escolhida de um determinado par e terá três segundos para selecionar qual foi a palavra ouvida. Para mudar de nível, terá de acertar pelo menos 70% das palavras ouvidas. Gratuito.
Treinamento de Memória Auditiva – Treinamento auditivo e da memória de trabalho com variação de estímulos de sons de diversas categorias incluindo animais, sons da casa pessoas, instrumentos musicais ou meios de transporte.
Treinamento de Sequência Auditiva – Oferece treinamento auditivo de forma divertida podendo variar os estímulos de acordo com a dificuldade de cada usuário.
Afinando o Cérebro – Oferece muitas possibilidades para estimular as habilidades auditivas. É uma plataforma totalmente online, com mais de 130 estratégias de terapia para estimular processamento auditivo, visual, memória, atenção e linguagem, fundamentada nos princípios da neuroplasticidade, ou seja, na possibilidade que o cérebro tem de realizar conexões.
É importante mencionar que nos déficits cognitivos, síndromes, deficiência intelectual, transtorno do espectro autista e em outros transtornos neurológicos, as dificuldades de compreensão da linguagem falada e/ou ouvida, ou outras características das alterações das habilidades auditivas, não são causadas apenas pela alteração do funcionamento do processamento auditivo central, mas sim por conta da influência de desordem mais global nas funções superiores. Ou seja, não é a alteração do Processamento Auditivo Central que causará todos os déficits por si só nestas patologias, mas existe a influência de alterações em níveis mais superiores, que influenciam tais defasagens nas habilidades auditivas, por isso é muito importante uma avaliação multidisciplinar para elaborar um plano terapêutico individualizado e assertivo.
Bibliografia:
PEREIRA, L. D.; SCHOCHAT, E. Processamento auditivo central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise, 1997.
PEREIRA, Kátia H. Manual de orientação: Transtorno do Processamento Auditivo – TPA / Fundação Catarinense de Educação Especial. Florianópolis: DIOESC, 2014.
ALVAREZ A.; SANCHEZ M. Neuroaudiologia e Linguagem In Fuentes D, Malloy-Diniz L, Camargo CPC Neuropsicologia teoria e prática. Porto Alegre Artmed Editora, 2008
https://www.fonoaudiologia.org.br/wpcontent/uploads/2020/10/CFFa_Guia_Orientacao_Avaliacao_Intervencao_PAC.pdf acesso em 26/02/2012
https://www.afinandocerebro.com.br/ acesso em 12/02/2021