Considerar o estilo de aprendizagem do sujeito poderá contribuir para questionar as causas da quantidade significativa de crianças com insucesso escolar, as quais, apesar de não serem reprovadas, sofrem pela condição de alunos tidos como medíocres ou desinteressados.
Mas, o que é um estilo? O estilo é definido como o conjunto dos caracteres que diferencia uma determinada forma expressiva das outras formas. Deve ser contrastado com o gênero definido como qualquer agrupamento de indivíduos, objetos, fatos e idéias que tenham caracteres iguais.
A biografia de Botticelli (Gênios da Pintura,vol 11,pag2), pintor representante da pintura do “Quattrocento”, é útil para refletir sobre o binômio estilo/gênero.
Naquela época, os artistas dependiam dos nobres e dos papas. Para obter proteção e prestígio, os artistas precisavam das boas graças dos nobres. A arte, enquanto gênero, expressava os ideais daqueles segmentos da sociedade.
No gênero da pintura “Quattrocento” predominavam retratos e alegorias dos poderosos de então, narração de episódios bíblicos e outros temas religiosos. Botticelli manifestava seu estilo próprio dentro do gênero renascentista e diferentemente de Leonardo da Vinci, seu contemporâneo, não se preocupou nem com a anatomia e nem com a perspectiva em sua pintura.
Considerava estas características uma “cosa intellettuale”, função quase científica. Para Botticelli, ao contrário, o belo está fora da realidade e da experiência. Para ele, a pintura é uma comunicação com Deus.
Assim como no exemplo acima, o aluno está imerso num contexto social. Responde a ele, mas, simultaneamente, manifesta sua singularidade, seu estilo de aprendizagem, que expressa uma forma de lidar com a vida escolar.
A queixa escolar expressa algo dissonante, que não está de acordo com o modelo concebido no cenário escolar. São discursos recorrentes: “a letra é feia”, “não se compreende sua escrita, pois é caótica”, “aluno diferente de seus companheiros, fala pouco”, “aluno no mundo da lua”.
Quais seriam as possíveis razões para essas dissonâncias? Para alguns, elas representam dificuldades específicas, decorrentes de inabilidades de várias ordens como de pensamento, de coordenação viso motora, da capacidade para estar atento, etc.
Opto por contrastar o gênero de ensino e o estilo de aprendizagem para explicar de forma mais abrangente a queixa escolar. Tal como os pintores, o aluno está imerso num discurso social e a ele deve corresponder.
Seu estilo de lidar com o conhecimento e o saber depende de como vive e significa esse discurso social. Discurso neste contexto significa: “uma linguagem compartilhada por um grupo de indivíduos e rege as formas de laço social” ( Petit Robert).
Ora, nossos alunos dissonantes estão mergulhados num discurso social onde o trabalho, o esforço, e o tempo estão regidos por um gênero de vida marcado pelo imediatismo: time is money. A lei é a do esforço mínimo.
As regras são mais difíceis de serem cumpridas numa sociedade onde cada vez mais os adultos solicitam participação da criança em decisões, para a qual ela ainda não tem competência.
A etimologia da palavra infância tem como origem o sentido de “aquele que não tem voz”, “aquele a quem não se escuta”. Hoje, nossa criança e aluno, além de terem muita voz em decisões, também apresentam mais dificuldade para se curvar diante das normas impostas pelo grupo social.
A escola tradicional, enquanto gênero, valorizava a disciplina. O dito popular “é de pequeno que se torce o pepino” sustentava uma pedagogia preocupada com a formalização em detrimento do conteúdo. A escola contemporânea está preocupada não somente com a transmissão de conteúdos, mas, sobretudo, com a construção e reconstrução conceitual.
Os conteúdos são pretextos para que o aluno possa aplicar os conceitos em situações diferentes. Para isso, o conteúdo transmitido precisa ser comparado, analisado, relacionado com outros conhecimentos, esperando-se do aluno capacidade para julgar, discernir e produzir um conhecimento onde possa se manifestar e expressar seu pensamento. Esse gênero de ensino demanda do aluno: disciplina, organização, esforço, criatividade, empenho.
Algumas das características do infante contemporâneo são: ter mais voz, menos tolerância à frustração e ao esforço, imediatismo ( “aquilo que não serve para já, não vale”), tudo tem que ser resolvido rapidamente. Mas, como apontei acima, o gênero de ensino da Escola contemporânea demanda um aluno ativo, crítico, participante e criativo.
A passagem pela escolaridade é, portanto, mais laboriosa do que na Escola tradicional. Nesta bastava desenvolver disciplina para memorizar conteúdos. Será que nossos alunos dissonantes, de alguma forma, também não estão denunciando através da queixa escolar conflitos entre gênero e estilo?
Como afirmei no início, o estilo marca as diferenças e a forma peculiar de lidar com a vida. O estilo de aprendizagem ou a forma peculiar de lidar com o conhecimento e com o saber têm como origem as primeiras experiências de adaptação à vida. É insuficiente olhar para a grafia inadequada do aluno associando-a com sua inabilidade para desenhar e escrever.
O que significa desenhar e escrever para esse aluno? Por que não consegue sentar para escrever ou desenhar? Através de sua relação com a escrita, o aluno mostra uma posição singular diante desse conhecimento.
Nós, psicopedagogos, estamos interessados em compreender as possíveis razões para o desencontro entre gênero e estilo de aprendizagem. Convido-os a pensar que a passagem pela escolaridade poderá também ser concebida como um gesto estético. Cada aluno, a partir de seu estilo de aprendizagem, lidará com os desafios de forma diferente.
A escola tradicional visava à uniformização, todos deviam aprender igualmente. A realidade tem nos mostrado que a verdadeira integração decorre da consideração da alteridade, isto é, das diferenças. Isto implica dizer que todos devem aprender igualmente numa sociedade onde somos diferentes.
O desafio é maior para o educador de hoje. Pais e mestres temos que aprender a lidar com os diferentes estilos, sem desconsiderar o gênero. Cada gesto humano é uma manifestação estética. Não nascemos artistas na arte de viver, tornamo-nos, enquanto vivemos e aprendemos.
Referências:
RUBINSTEIN,E.R. O estilo de aprendizagem e a queixa escolar: entre o saber e o conhecer. Casa do Psicólogo: São Paulo, 2003.
Coleção Gênios da Pintura, vol 11, Editora Abril.