Geração ansiosa: Casos de ansiedade entre crianças e jovens supera os de adultos. Maria Alice Fontes 

O número de casos de ansiedade entre crianças e adolescentes superou o de adultos pela primeira vez em dez anos, segundo a Folha de São Paulo a partir de dados da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do Sistema Único de Saúde (SUS).

A análise, abrangendo o período de 2013 a 2023, identificou um aumento significativo nessa condição, especialmente entre jovens de 10 a 14 anos e adolescentes.

Os números são preocupantes: a taxa de pacientes com ansiedade na faixa etária de 10 a 14 anos é de 125,8 a cada 100 mil, enquanto entre adolescentes, é de 157 a cada 100 mil. 

Em comparação, a taxa para adultos acima de 20 anos é de 112,5 a cada 100 mil, conforme dados de 2023. Essa inversão na situação entre jovens e adultos começou a se manifestar em 2022, ou seja, pós-pandemia.

 

Porém, de um modo geral, dados já mostravam que a partir da segunda década dos anos 2000 os índices de saúde mental pioraram. Além do maior acesso à informação pela internet, o período é marcado pela popularização do smartphone, com as câmeras frontais para seles das redes sociais e jogos online.

Diversos fatores contribuem para esse aumento alarmante, incluindo crises econômicas, mudanças climáticas, autodiagnósticos simplistas e o uso excessivo de dispositivos móveis e jogos eletrônicos. 

No livro “A geração ansiosa”, o psicólogo social Jonathan Haidt, que estudou durante décadas o colapso da saúde mental entre os jovens, defende que a superproteção dos pais no meio offline, aliada a total liberdade no mundo online, estaria ajudando a formar uma geração ansiosa e com padrões de comportamento muito diferentes dos estabelecidos há décadas no convívio em sociedade.

Haidt argumenta que a base da infância migrou da brincadeira offline (corporificada, síncrona e em comunidades difíceis de entrar e sair) para a conectada (descorporificada, assíncrona e em comunidades fáceis de entrar e sair). E essas mudanças de comportamento levam a quatro danos fundamentais:

1- Privação social

2- Privação de sono

3- Fragmentação da atenção

4- Dependência

“Quando seu filho é pequeno e você quer um pouco de sossego, acaba dando ao seu filho um telefone ou um tablet. Agora, vemos as consequências disso. Uma geração que está muito mais ansiosa e deprimida. Com mais casos de automutilação e suicídios”, afirmou Haidt. 

Entre 2000 e 2021, houve um aumento de 221% nos casos de suicídio entre meninas de 10 a 14 anos, contra um aumento de 170% entre os meninos. A Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE indica que a incidência de depressão cresceu significativamente entre todas as faixas etárias entre 2013 e 2019, com um aumento de 152,5% entre jovens de 18 a 21 anos e 30,2% entre adultos com 22 anos ou mais.

Outra conclusão preocupante é a queda no chamado senso de pertencimento escolar. No Brasil, 91,4% das crianças diziam fazer amigos com facilidade na escola no início do século, número que caiu para 86,3% em 2012 e em 2022 despencou para 2022, segundo o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, o Pisa. 

A sensação de solidão também cresceu. Em 2000, 8,5% dos alunos afirmavam que se sentiam sozinhos. Número que saltou para 26,6% em 2022. Além disso, no começo do século, só um em cada 20 estudantes se sentia estranho ou excluído. Em 2022, esse sentimento foi relatado por dois em cada dez alunos. 

As soluções de Jonathan Haidt para enfrentar a crise

O psicólogo americano Jonathan Haidt apresenta quatro principais ações que a sociedade deveria tomar para mitigar os danos para as crianças e adolescentes: 

  • Nenhum smartphone antes dos 10 anos
    Os pais devem adiar a entrada das crianças no acesso 24 horas à internet, fornecendo apenas telefones básicos com aplicações limitadas e nenhum navegador de internet antes dos 14 anos.
  • Nenhuma mídia social antes dos 16 anos
    Deixe as crianças passarem pelo período mais vulnerável do desenvolvimento do cérebro antes de conectá-las a uma avalanche de comparações sociais e influenciadores escolhidos por algoritmos.
  • Escolas sem telefone
    As escolas devem insistir para que os alunos guardem os seus telefones, relógios inteligentes e quaisquer outros dispositivos durante o dia escolar. Essa é a única maneira de liberar a atenção de uns para os outros e para os professores.
  • Muito mais brincadeiras não supervisionadas e independência infantil
    É assim que as crianças desenvolvem naturalmente competências sociais, superam a ansiedade e tornam-se jovens adultos autônomos.

Segundo  Haidt, os pais devem agir como espécie de “jardineiros”, cultivando ideias para que as crianças floresçam e se tornem adultos livres, autoconfiantes e preparados psicologicamente para enfrentar os desafios da vida.

Essas medidas podem ser eficazes?

A implementação das sugestões de Haidt pode ser um desafio, considerando a onipresença das tecnologias digitais no dia a dia. No entanto, é crucial avaliar o impacto a longo prazo dessas restrições no desenvolvimento social e emocional da juventude. Fica a reflexão: Estas medidas seriam realmente eficazes em criar uma geração mais resiliente e menos ansiosa? E mais: Devemos colocar tudo na conta dos smartphones e redes sociais os casos de ansiedade? 

De fato, existe uma série de estudos que demonstram que o excesso de telas afeta nossa saúde mental, a percepção de mundo, o processo atencional e autoestima Entre os mais recentes, um artigo publicado na revista científica BMC Psychology mostra os reflexos da pandemia e o tempo de lela no aumento dos índices dos casos de depressão e ansiedade em crianças.  Por outro lado, a tecnologia ajuda na interação social, então como fica essa relação? 

No fim das contas, vemos que a busca pelo equilíbrio entre a vida digital e real pode ser a chave para a promoção de uma saúde mental robusta e saudável, especialmente para as crianças e adolescentes em processo de desenvolvimento. 

A conscientização sobre o uso responsável das tecnologias é essencial e deve começar desde cedo, envolvendo educadores, pais e os próprios jovens em prol de medidas proativas e protetivas a fim de inibir ainda na infância, possíveis transtornos psicológicos, como a compulsão e a ansiedade, que podem ser levados ao longo da vida adulta.

Colaboração: Mônica Merlini

Fontes:

https://bmcpsychology.biomedcentral.com/articles/10.1186/s40359-023-01240-0

https://www1.folha.uol.com.br/folhateen/2024/05/registros-de-ansiedade-entre-criancas-e-jovens-superam-os-de-adultos-pela-1a-vez.shtml#:~:text=Com%20um%20crescimento%20expressivo%20nos,mil%2C%20considerando%20dados%20de%202023.

http://plenamente.projetordp.com.br/o-uso-benefico-e-nocivo-das-midias-sociais-na-adolescencia/

https://www.amazon.com.br/gera%C3%A7%C3%A3o-ansiosa-inf%C3%A2ncia-hiperconectada-transtornos/dp/8535938532