Efeitos do álcool no cérebro: Estudo mostra quantos meses são necessários para reparar danos cerebrais. Maria Alice Fontes

A maioria das pessoas poderia descrever rapidamente os efeitos agudos do álcool: desinibição, relaxamento, falta de coordenação, impulsividade… Mas poucas compreendem as consequências crônicas desse consumo, que respondem ao efeito neurotóxico do álcool no cérebro.

Estudos ao longo dos anos mostram uma relação clara: quanto mais álcool é consumido, pior é a saúde cerebral. Um dos impactos conhecidos é a redução do volume cerebral, a inflamação e a desregulação dos neurotransmissores, com o consequente prejuízo de funções importantes como a nossa capacidade de pensamento, movimento voluntário, linguagem, julgamento e percepção.

A boa notícia é que, quando se pára de beber, o cérebro apresenta uma melhora tanto na estrutura quanto na função. É o que mostra um novo estudo, conduzido por pesquisadores americanos e liderado por Timothy Durazzo, da Universidade de Stanford. Eles descobriram que, após 7 meses de abstinência, a espessura do córtex volta a ser comparável à de adultos saudáveis.

O trabalho, publicado na revista científica Alcohol, estudou o cérebro de 88 pacientes com transtorno por uso de álcool, comparando com 45 controles que não tinham histórico de uso abusivo das bebidas. Os participantes foram avaliados depois de uma semana, um mês e de sete meses após o início da abstinência. 

Os participantes foram submetidos a exames de ressonância magnética para a avaliação da espessura do córtex em 34 regiões. A melhor recuperação foi observada no primeiro mês sem álcool, no entanto, é apenas depois de sete meses abstinentes, que algumas regiões voltam a se parecer com a observada em pessoas não usuárias de álcool

A recuperação do cérebro pós-álcool foi mais lenta nos casos de pessoas que mantinham outros comportamentos pouco saudáveis, como uso de tabaco, pressão alta descontrolada ou colesterol alto.

“Esses resultados apoiam os efeitos adaptativos e benéficos da sobriedade sustentada na recuperação estrutural do cérebro em pessoas com transtorno de uso de álcool”, relataram os autores no estudo.

Vale observar que, no levantamento, os pesquisadores não analisaram questões genéticas e a prática regular de atividade física. Esta é uma excelente descoberta que pode incentivar a abstinência e o tratamento para quem deseja parar de beber.

Adolescentes e uso excessivo

E quanto aos jovens? Será que os danos cerebrais precisam de anos de consumo de álcool? Se eles beberem apenas no fim de semana, nada acontecerá com eles?

Não, beber cinco ou mais unidades em poucas horas, pelo menos uma vez por mês, está associado a problemas de memória e habilidades executivas, prejudicando o planejar, monitorar e regular o comportamento de acordo com nossos objetivos e padrões. Essas dificuldades estão relacionadas com mudanças estruturais e funcionais no cérebro. 

Jose Manuel Pérez-García e autores (2022), no estudo ‘Efeitos do consumo excessivo de álcool durante a adolescência e a idade adulta emergente no cérebro: uma revisão sistemática de estudos de neuroimagem’, mostraram que anormalidades estruturais e funcionais no cérebro de jovens que bebem demais, em uma só vez (binge drinking) em várias regiões cerebrais corticais e subcorticais intimamente envolvidas no controle e na regulação de comportamentos impulsivos ou arriscados, bem como no processamento de estímulos reforçadores.

É necessário levar em consideração que a adolescência é um período de vulnerabilidade cerebral, durante o qual ocorrem importantes mudanças na estrutura e na conectividade funcional das redes neurais.

Devemos nos preocupar com o fato de o álcool ainda ser visto como uma droga menos perigosa entre os jovens de 14 a 18 anos.

O Ministério da Saúde publicou, no dia 18 de setembro de 2023, um novo relatório Vigitel* 2023 (com dados coletados de dezembro de 2022 a abril de 2023) que aponta um aumento do consumo abusivo de álcool quando comparado com os anos anteriores. A população geral teve um aumento de 18,4% para 20,8% entre 2021 e 2023. Veja abaixo:

*Vigitel é a sigla para “Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico”. Foto: Ministério da Saúde

Redução já ajuda

Um outro trabalho, conduzido também pelo pesquisador de Stanford, publicado no periódico Alcohol: Clinical and Experimental Research, mostrou que mesmo uma redução do consumo de álcool já pode trazer benefícios para a espessura do córtex cerebral.

O estudo acompanhou 68 indivíduos com transtorno por uso de álcool por aproximadamente oito meses após o início do tratamento e comparou as informações com 34 pessoas de um grupo controle, que não bebiam ou consumiam quantidades dentro do limite.

Eles dividiram os participantes com o transtorno em três grupos: os que se mantiveram em abstinência, os que consumiam baixos níveis de álcool e os que continuaram a ingerir quantidades altas das bebidas.

No final, os autores concluíram que “indivíduos que consumiram níveis menos álcool exibiram volumes corticais semelhantes aos abstêmios do que indivíduos que retornaram a níveis de risco mais elevados”. Assim, os achados sugerem que “níveis de consumo de álcool de baixo risco estão associados a uma integridade cerebral comparável à observada com a abstinência completa”.

As doses são chamadas de baixo risco porque não existe limite seguro de álcool segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Porém, as principais diretrizes internacionais orientam não ultrapassar duas doses ao dia no caso dos homens, e uma dose, no das mulheres.

Cada dose corresponde a uma lata de 350 ml de cerveja, uma taça de 150 ml de vinho ou 45 ml de destilado, como vodca ou gim.

Sabendo agora sobre os malefícios que o álcool causa, resta a reflexão:  Por que será que nós aceitamos tanto o álcool na sociedade em comparação a outras drogas?

A primeira vista, beber pode reduzir seus medos e afastar sua mente dos problemas. Também pode fazer você sentir menos timidez, melhorar o humor e fazer você relaxar de maneira geral. Porém, do outro lado, principalmente em grandes quantidades e por longos períodos de tempo, pode ser o gatilho para uma variedade de problemas de saúde, inclusive transtornos de saúde mental como ansiedade. 

Se você suspeita de uma relação não saudável com o uso de bebida alcoólica, procure ajuda profissional.

Colaboração: Mônica Merlini

Bibliografia:

https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S074183292300263X

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35339481/

https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2023/11/09/cientistas-revelam-quanto-tempo-sobrio-e-preciso-para-reparar-danos-cerebrais-pelo-excesso-de-alcool.ghtml 


https://www.bbc.com/portuguese/articles/czvw49z0ly2o