Apesar de ser uma condição identificada na maioria das vezes ainda na infância, o autismo vem sendo diagnosticado com cada vez mais frequência em adultos. O TEA (transtorno do espectro autista) apresenta vários graus, e sua identificação pode passar despercebida se não for dada a devida atenção.
Sem diagnóstico determinado nem o amparo e a estrutura necessários para viver melhor com a condição, pessoas dentro do espectro podem passar anos e até décadas lutando contra algo que não sabem o que é, sentindo-se deslocados e “diferentes”, mas sem nenhuma explicação.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que haja 70 milhões de pessoas com o TEA no mundo, sendo cerca de 2 milhões só no Brasil. Mais de 80 anos depois do primeiro caso diagnosticado na história, a falta de informação ainda é a principal barreira para a inclusão desses indivíduos na sociedade.
O TEA é caracterizado, principalmente, pelas dificuldades em comunicação e interação social, e presença de padrões de movimentos restritos e repetitivos. Pessoas no espectro têm uma forma diferente de vivenciar experiências, agir e interpretar o mundo.
A discussão sobre o transtorno do espectro autista (TEA) na fase adulta ainda é restrita, mas isso não significa que as pessoas deixem de fazer parte do espectro com o avançar da idade. O autismo é uma condição para a vida toda, e compreender seu funcionamento em cada fase da vida é fundamental para garantir qualidade de vida e inclusão social das pessoas autistas.
Graus do autismo
A maioria dos diagnósticos tardios é relacionada a casos leves de autismo, de pessoas que não apresentam deficiência intelectual e conseguem levar uma vida autônoma, funcional e independente. Esses indivíduos muitas vezes “disfarçam” e lidam bem com a condição, e só vão procurar ajuda quando alguém lhes questiona os poucos amigos, seu jeito direto de falar ou sua pouca habilidade social.
Nível 1: existe uma dificuldade para a interação social, porém sutil, além de dificuldade para troca de atividades e problemas de organização, também de forma leve. Exige apoio leve.
Nível 2: a dificuldade para socialização é maior. Há também uma resistência a lidar com mudanças, além de comportamentos repetitivos. Exige apoio moderado.
Nível 3: há déficit de comunicação verbal e não verbal de forma mais clara. A pessoa também possui dificuldade em abrir-se para interações sociais que partam de outras pessoas, muita dificuldade em mudanças e comportamentos repetitivos constantes. Exige muito apoio.
A questão da conectividade com o cérebro
Conectividade funcional é a medida de quanto duas regiões do cérebro parecem estar sincronizadas ou conversando juntas.
Ao comparar a conectividade funcional de cérebros de TEA e cérebros não afetados, os pesquisadores veem que existem algumas redes com menor conectividade, especialmente em padrões onde a distância entre as regiões cerebrais é maior.
No autismo, há conectividade de curto alcance e subconectividade de longo alcance. Assim, para tarefas que exigem que combinemos ou assimilemos informações em diferentes partes do cérebro, como função social e tarefas motoras complexas, indivíduos com autismo têm mais problemas.
E quando há uma tarefa muito específica focada na região do cérebro único que está principalmente envolvida, atividades como prestar atenção a características específicas no mundo ao nosso redor, indivíduos com autismo tendem a ser muito bons ou até melhores do que o normal.
Isso levanta a discussão de se melhorar o interesse da sociedade em ajudar a criar ambientes onde pessoas com diferentes estruturas cerebrais e formas de se comportar possam prosperar, como é o caso dos autistas.
A relação entre idade dos pais
Um grande estudo internacional, realizado com mais de 5,7 milhões de crianças, observou a relação entre o risco de autismo e a idade dos pais. A pesquisa descobriu que a incidência do problema é maior entre filhos de mulheres adolescentes e de homens mais velhos.
O levantamento ajudou os especialistas a descobrir que as idades dos pais e das mães implicam no índice de autismo de forma independente. Entretanto, de acordo com Sven Sandin, um dos autores do estudo, a idade paterna se mostrou mais significativa para os resultados.
Em comparação aos filhos de pais e mães com cerca de 20 anos de idade, as taxas de autismo entre crianças de pais com mais de 50 anos foram 66% mais elevadas. Para os pais que se encontravam entre os 40 anos, o índice foi de 28%. A ocorrência também foi mais alta para as mães com mais de 40 anos (15%) e entre os filhos de mulheres adolescentes (18%).
O coautor e médico epidemiologista Sven Sandin salientou que, embora a idade dos pais seja um fator de risco para o autismo, em geral, a maioria das crianças nascidas de pais mais velhos ou mais jovens vão desenvolver-se normalmente.
O autismo da infância é o mesmo da vida adulta?
Em tese sim. Porém, os desafios enfrentados pelo adulto no espectro autista são diferentes dos enfrentados pela criança.
Isso porque a pessoa adulta pode ter desenvolvido mecanismos para lidar com os sintomas e as situações. Uma espécie de “disfarce” para a própria condição.
Seja porque veem que tal comportamento é visto como inadequado, não é bem aceito socialmente ou é incompreendido pelos demais.
O adulto consegue modular o próprio comportamento, enquanto a criança não tem essa habilidade.
Como é realizado o diagnóstico
Tanto na infância quanto na vida adulta os sinais e sintomas avaliados para investigar um caso de autismo são os mesmos, o que muda é o processo usado para chegar ao diagnóstico.
O caminho mais comum é que pais de filhos autistas, ao pesquisar sobre a condição da criança, percebem em si características semelhantes e busquem ajuda profissional. Mas esse não é o único cenário.
Como o autismo afeta diretamente as habilidades sociais de comunicação e relacionamento, é comum que o indivíduo procure um serviço de saúde mental com outras queixas.
Não é raro que o autismo venha acompanhado de outras condições, as chamadas comorbidades, principalmente na fase adulta.
Os prejuízos provocados pela dificuldade de socialização e a autopercepção negativa podem desencadear transtornos de ansiedade e depressão, por exemplo. O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade também está associado ao TEA em 30% a 50% dos casos.
Hiperfoco no trabalho, dificuldades com mudanças de rotina e sensorialidade exacerbada (como alta intolerância a ruídos) também são sinais importantes.
Tratamento
O autismo é uma condição onde as abordagens realizadas têm o objetivo de guiar num processo de autoconhecimento e independência, não de eliminar o transtorno.
Como o transtorno do espectro autista atinge vários aspectos do desenvolvimento, o ideal é que o tratamento seja realizado por uma equipe multidisciplinar.
As recomendações são individuais, então cada caso é analisado isoladamente para que seja montado um plano de intervenção que corresponda às necessidades de cada paciente.
Colaboração: Mônica Merlini
Referências:
https://jamanetwork.com/journals/jamanetworkopen/fullarticle/2714506
Autism Spectrum Disorder: Autistic Brains vs Non-Autistic Brains (psycom.net)