Alterações psiquiátricas e neuropsicológicas decorrentes do COVID-19. Daniela Rossi, Monica Maino, Maria Alice Fontes

Quais são as principais alterações psiquiátricas que podem estar presentes depois da infecção por COVID-19?

Estudos recentes (Negrini F. et al, 2020) descrevem que durante a internação hospitalar em UTI, muitos pacientes têm exibido sintomas psiquiátricos, com sensação intensa de confusão, confabulação e persecutoriedade. Pacientes que sobrevivem e saem da UTI, têm apresentado altas taxas de depressão, ansiedade, transtorno do estresse pós-traumático, associado com insônia e intensa fadiga. Esses quadros também podem ser comuns em pacientes que tiveram a forma leve da doença.

Um estudo brasileiro com 3.000 pessoas oriundas dos 26 estados brasileiros, investigou a prevalência de sintomas de depressão, ansiedade e estresse, além de aspectos comportamentais em meio à pandemia de COVID-19. Observou-se maior consumo de drogas, tabaco, medicamentos e alimentos (40,8%). Quase metade dos participantes expressou sintomas de depressão (46,4%), ansiedade (39,7%) e estresse (42,2%). Estes foram maiores em mulheres, pessoas sem filhos, estudantes, pacientes com doenças crônicas e pessoas que tiveram contato com outras pessoas com diagnóstico de COVID-19.

Sabe-se que devemos dar maior atenção à saúde mental durante e após a pandemia para aqueles que sofrem com alta carga de estresse. Cabe ressaltar que esses achados são preliminares e retratam um momento ainda vivido por muitas pessoas em meio à pandemia e às medidas de quarentena. Portanto, entendemos que a magnitude dos impactos na saúde mental só poderá ser precisada com estudos contínuos após o relaxamento total da quarentena (Serafim et al. 2021).

Quais são os grupos mais vulneráveis?

Estudos apontam que indivíduos com transtornos mentais, idosos e profissionais de saúde que atuam na linha de frente têm apresentado maior sofrimento na pandemia, tanto pelas medidas de distanciamento social, quanto pelo contato diário com a doença, devido ao sofrimento e o contato com situações de morte. É importante considerar que a COVID-19 aumentou a mortalidade nestes grupos, o que intensifica ainda mais o fator de ansiedade.

Vale lembrar que pessoas que têm transtornos mentais preexistentes já têm expectativa de vida reduzida em 7 a 25 anos, principalmente por prevalência de doenças físicas, se comparados aos que não possuem doenças mentais (Javadi D et al, 2017), assim aqueles que já têm algum sintoma psiquiátrico anterior devem ter maior cuidado.

O COVID-19 pode afetar o cérebro?

Sim. Uma das primeiras relações com o acesso do vírus ao sistema neurológico é um sintoma comum, presente até em casos mais leves de redução no olfato (anosmia) e distorção no paladar (disgeusia). Isso acontece, pois o sistema respiratório é a principal via de entrada do vírus e está próximo ao bulbo olfatório, que são nervos do sistema neurológico.

Em um estudo europeu publicado em abril de 2020, os autores descreveram disfunções de olfato em 88% das pessoas e de paladar em 86% dos 417 pacientes infectados. Dentre eles, cerca de 13% relataram até uma espécie de alucinação olfativa, ou seja, sentir cheiros que outros não sentiam (fantosmia), enquanto 32% apresentaram uma sensação distorcida do olfato (parosmia), geralmente resultando em sentir cheiros desagradáveis que não existiam. Dos 76 pacientes que não apresentaram obstrução nasal ou corrimento nasal excessivo, quase 80% apresentaram diminuição do olfato (Vetter et al.2020).
Além da perda de paladar e olfato, a publicação agregou outros transtornos neurológicos ligados à infecção por COVID-19, tais como dor de cabeça, desorientação, alterações do estado mental, delirium, encefalopatia, crises epilépticas, distúrbios musculoesqueléticos, Acidente Vascular Encefálico (AVE) isquêmico ou hemorrágico, tromboses e Síndrome de Guillain-Barré (Vetter et al. 2020).

Um grupo de cientistas norte-americanos publicou no Journal of Alzheimer’s Disease (Fotuhi et al. 2020) um estudo abrangente sobre o efeito da COVID-19 no sistema nervoso. Os pesquisadores conseguiram definir as três fases pelas quais vírus causa danos cerebrais. As etapas criadas pelo grupo podem ser descritas da seguinte forma:
1. O dano do vírus se limita às células epiteliais do nariz e da boca, e os principais sintomas incluem perda transitória de olfato e paladar;
2. O novo coronavírus desencadeia uma resposta inflamatória exagerada conhecida como tempestade de citocinas, que começa nos pulmões e, pelos vasos sanguíneos, atinge os órgãos do corpo. Essa “enxurrada” leva à formação de coágulos sanguíneos que podem causar pequenos ou grandes derrames no cérebro;
3. A tempestade de citocinas é ainda maior e danifica a barreira hematoencefálica, que é a camada protetora da massa cinzenta. Como resultado, sangue, marcadores inflamatórios e partículas do vírus invadem o cérebro e os pacientes podem desenvolver convulsões, confusão mental, coma e até encefalopatia.

Muitos pacientes com COVID-19 não apresentam sintomas neurológicos perceptíveis no início da infecção pelo novo coronavírus. Já em outras pessoas, esses problemas podem surgir antes mesmo de sintomas mais comuns da doença, como febre, tosse ou falta de ar. Além do acompanhamento hospitalar, os pacientes precisam ser monitorados durante alguns meses após a hospitalização por Covid-19. Isso porque a experiência com outros tipos de coronavírus sugerem que, a longo prazo, as pessoas podem desenvolver condições como depressão, insônia, perda de memória e envelhecimento acelerado no cérebro, tais como Alzheimer e Parkinson.

Quais as possíveis alterações neuropsicológicas após infecção por Covid-19?

Estudos sobre alterações cognitivas em pacientes com casos leves ou assintomáticos trazem relatos de déficit atencional, dificuldades de memória, além de um quadro de alteração transitória, denominado de Brain Fog, uma disfunção cognitiva com alterações de memória, falta de clareza mental, distração fácil e/ou diminuição da capacidade de concentração.

Em casos mais graves, há relatos de dificuldades atencionais, déficit de memória, na linguagem, na praxia e em funções executivas. Queixas de memória são as que mais aparecem, pois a região cerebral do hipocampo parece ser particularmente vulnerável a infecções por coronavírus, aumentando assim a probabilidade de comprometimento da memória pós-infecção. Além disso, estudos prévios sobre os coronavírus sugerem possível aceleração de distúrbios neurodegenerativos como a doença de Alzheimer.

Em estudos neuropsicológicos anteriores em adultos que necessitam de ventilação mecânica por múltiplas causas, resultados a longo prazo observaram alterações na atenção, memória, fluência verbal, velocidade de processamento e funcionamento executivo em 78% dos pacientes um ano após a alta e em cerca de metade dos pacientes até dois anos.

Quadros de hipóxia, relacionados com a baixa oxigenação, também são uma causa comum de alterações neuropsicológicas observadas em Síndromes Respiratórias Agudas e têm sido associados à atrofia cerebral e aumento ventricular, com duração da hipóxia correlacionada com atenção, memória verbal e funcionamento executivo.

Os cuidados com a saúde mental são de extrema importância, em tempos de pandemia e devem ser redobrados, tanto devido ao isolamento social, quanto pelas sequelas cognitivas, psicológicas, psiquiátricas decorrentes da infecção pela Covid-19.

Cuidados especializados nos quadros de ansiedade, depressão, estresse pós-traumático, de quadros cognitivos, podem auxiliar na remissão total ou parcial dos sintomas. Caso esteja sentindo algum sintoma psicológico, psiquiátrico ou cognitivo procure por ajuda especializada.


REFERÊNCIAS

Crunfli F. et al.Sars-cov-2 infects brain astrocytes of covid-19 patients and ipairs neuronal viability. medRxiv.2020

Fotuhi M; Mian A.; Meysami S & Raji CA. Neurobiology of COVID-19. Journal of Alzheimer´s Disease. 2020.

Javadi D, Feldhaus I, Mancuso A, Ghaffar A. Applying systems thinking to task shifting for mental health using lay providers: a review of the evidence. Glob Ment Health (Camb) 2017;

Negrini F. et al. Neuropsychological features of severe hospitalized covid-19 patients at stability and clues for post-acute rehabilitation. Arch Phys Med Rehab (2020).

Ritchie K; Chan D & Watermeyer T. The cognitive consequences of the COVID-19 epidemic: collateral damage?. Brain Communications (2020).

Serafim AP; Durães RSS; Rocca CAC; Gonçalves PD; Saffi F; Cappellozza A; Paulino M; Dumas-Diniz R; Brissos S; Brites R; Alho L; Lotufo-Neto F. Exploratory study on the psychological impact of COVID-19 on the general Brazilian population. Open Access. 2021

Tuma R. et al. Clinical cerebrospinal fluid and neuroimaging findings in covid-19 encephalopathy: A case series. medRxiv.2020

Varatharaj A et al. Neurological and neuropsychiatric complications of covid-19 in 153 patients: A uk-wide survellance study. The Lancet Psychiatry (2020).

Vetter P; Lan Vu D; L´Hullier AG; Schibler M; Kaiser L; Lacqueiroz F. Clinical Features of COVID-19. The wide array of symptoms has implications for the testing strategy. BMJ, abril de 2020.

Zhao H, Shen D, Zhou H, Liu J, Chen S. Guillain-Barré syndrome associated with SARS-CoV-2 infection: causality or coincidence?. The Lancet Neurology. 2020.