A ‘reconfiguração’ do cérebro após os 40 anos e como mantê-lo ativo com uma boa reserva cognitiva ao longo da vida. Maria Alice Fontes

Como neuropsicóloga e estudiosa das neurociências, eu sempre estive curiosa como o cérebro funciona e de que forma ele processa nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos. Como já entrei na famosa “quinta década”, passei a estudar como as mudanças cognitivas observadas no processo de envelhecimento podem ter um impacto nas funções diárias e na qualidade de vida de um indivíduo.

Foi demonstrado que os nossos domínios cognitivos atingem um pico na terceira década de vida, chamada de “inteligência fluida”, o que diminui gradualmente com o tempo (Harada et al.,  2013 ). Eles incluem as funções executivas e a atenção, como a capacidade de pensar abstratamente, raciocinar e resolver problemas. Já, as tarefas que dependem de processos predominantemente automáticos são menos afetadas pela idade ou podem até aumentar ligeiramente ao longo da vida, tais como vocabulário e conhecimentos gerais (Harada et al.,  2013 ), chamada de inteligência cristalizada. O processamento da fala e da linguagem tende a ser relativamente estável com a idade (Salthouse,  2019 ), entretanto o tempo de processamento pode ser mais lento em adultos mais velhos.

Existem várias teorias que explicam como o cérebro pode se manter ativo com a idade. A teoria da reserva cognitiva (Stern,  2002 ) postula que a arquitetura funcional do cérebro, ou seja, como ele vem sendo construído ao longo da vida, pode proteger o desempenho cognitivo diante de alterações cerebrais relacionadas à idade. 

Foram identificados alguns fatores, como as experiências de vida, a educação formal e a quantidade de atividade física como responsáveis por  aumentar a reserva cognitiva e garantir um envelhecimento cognitivamente saudável. 

Assim, as evidências sugerem que os idosos com maior reserva cognitiva podem compensar as alterações cerebrais do envelhecimento e manter o seu desempenho cognitivo global, mesmo na presença de alterações metabólicas e estruturais significativas.

A conclusão recém divulgada por pesquisadores da Universidade Monash, na Austrália, analisou mais de 150 estudos sobre o envelhecimento do cérebro. Os resultados indicam que o cérebro faz uma espécie de reengenharia dos seus sistemas para aproveitar da melhor forma possível os nutrientes no processo metabólico da glicose. Segundo a neurocientista Sharna Jamadar, da Universidade Monash, o cérebro, embora represente apenas 2% do nosso corpo, consome 20% da glicose que entra no nosso organismo. Mas, com a idade, ele vai perdendo a capacidade de absorver esse nutriente. 

As alterações funcionais relacionadas com a idade são acompanhadas por mudanças na substância cinzenta e branca que repercutem na estrutura do cérebro e reduzem a capacidade de integração da rede, diminuindo a eficiência global. 

O que mais surpreendeu os pesquisadores ao longo dos estudos, no entanto, é que nos casos em que há esse “recabeamento” após os 40, os indivíduos apresentam uma espécie de resistência ao envelhecimento do cérebro, e quanto maior a carga de estímulos, maior o recabeamento

Ainda não há consenso sobre quais as atividades e hábitos podem garantir um envelhecimento do cérebro de forma saudável, entretanto alguns fatores já tem evidências de ajudar neste processo:

Aprendizado de novas habilidades: O cérebro permanece produtivo e saudável por mais tempo se for constantemente desafiado com novos estímulos. A reserva cognitiva pode ser medida pelos anos de educação formal e também pela manutenção destes estímulos ao longo do tempo. Aprender algo novo, como tocar um instrumento musical, falar um novo idioma, pintar ou cozinhar, desafia o cérebro e estimula o crescimento de novas conexões neurais. Mantenha o cérebro ativo com atividades desafiadoras, como jogos de quebra-cabeça, aprendizado de novas habilidades, leitura e outras atividades intelectualmente estimulantes.

Dieta balanceada: Consumir uma dieta rica em antioxidantes, ácidos graxos ômega-3, vitaminas e minerais, com alimentos da dieta mediterrânea como peixes gordurosos, frutas, vegetais, nozes e sementes são conhecidos por promover a saúde cerebral. Vale lembrar que o uso abusivo de bebidas alcoólicas, tabaco e drogas ilícitas está associado com declínio cognitivo acelerado. 

Exercício físico regular: A atividade física regular é reconhecidamente um benefício para a saúde cerebral, incluindo a melhoria da circulação sanguínea e o aumento dos fatores de crescimento neuronal.

Um profissional com problemas de saúde mental e emocional não é, necessariamente, alguém pouco resiliente, preguiçoso, fraco, instável ou irresponsável. Assim como uma organização que tem uma rotina intensa de entregas também não deveria ser um espaço que existe exclusivamente para minar a saúde física e mental do time. Às vezes, o que falta é um bom alinhamento entre necessidades, desejos e expectativas das partes.

Sono adequado: A qualidade do sono é crucial para a saúde cerebral. É durante o sono que nossas células gliais fazem uma verdadeira faxina no cérebro, removendo neurotoxinas e outros produtos degenerativos do nosso metabolismo. 

Socialização: Manter conexões sociais é importante para a saúde mental e pode ajudar a prevenir o declínio cognitivo, já que a essência do ser humano é estar em círculos sociais aos quais ele se identifica e sente um senso de pertencimento. Um estudo feito pela Universidade de Harvard nos EUA, constatou que relacionamentos promovem o sentimento de felicidade às pessoas. Inclusive, esses laços aumentam a expectativa de vida e adiam prejuízos físicos e cognitivos.

Outro estudo de revisão com 3,4 milhões de voluntários, publicado em 2015 no jornal da Association for Psychological Science, mostrou que pessoas solitárias tinham entre 26% e 33% mais risco de morrer dentre os próximos sete anos. 

Controle de doenças crônicas: cuidar de condições médicas como diabetes, hipertensão e outras doenças crônicas podem proteger a saúde cerebral.

Controle do estresse: Altos níveis de estresse podem ter efeitos negativos no cérebro. Práticas de gerenciamento do estresse, como meditação, ioga e mindfulness, podem ser benéficas.

Lembre-se de que a combinação dessas estratégias pode ser mais eficaz do que qualquer uma delas isoladamente. É importante adotar um estilo de vida saudável em longo prazo para colher benefícios duradouros para a saúde cerebral. Assim, mais importante do que falar sobre a estética e se preocupar com o exterior do seu corpo, é fundamental termos consciência que a saúde do cérebro pode garantir um um cérebro mais produtivo e saudável por todos os anos que vierem.

De qualquer forma, caso tenha preocupações específicas sobre a saúde cerebral ou notar mudanças cognitivas significativas, consulte um profissional de saúde para uma avaliação mais detalhada e aprenda a agir preventivamente. Diferente de outras células do corpo, como as da pele e dos músculos, os neurônios não têm o mesmo recurso de regeneração, mas mesmo assim, podem ser estimulados a fazer novas e boas conexões.

Fontes: 

https://research.monash.edu/en/projects/neural-metabolic-connectivity-in-ageing-and-neurodegeneration

https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/psyp.14159

https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/psyp.14159#psyp14159-bib-0127