A ordem de nascimento afeta a personalidade da criança? Maria Alice Fontes

Em 1874 Francis Galton, um matemático britânico analisou uma amostra de cientistas ingleses e descobriu que a grande maioria era primogênito. Isso o levou a hipótese de que os primogênitos recebem um nível de atenção de seus pais que os permitem avançar intelectualmente. Por volta de 1920, o psiquiatra austríaco Alfred Adler formulou uma série de ideias e aplicações práticas que tem ajudado as pessoas a repensarem sobre a ordem do nascimento na dinâmica familiar.

Apesar de Adler ser conhecido por ter escrito sobre a ordem de nascimento, os seus estudos demonstram apenas probabilidades e não certezas. É provável que os primogênitos sejam mais dominantes e mandões, enquanto os filhos mais novos sejam conhecidos pelo seu carisma ou pelo esforço para superar o mais velho. É provável que o primogênito sinta que perdeu o trono quando um novo irmão ingressa na família. Usamos o termo ‘destronado’, para remontar a época histórica da realeza, que quando a primeira filha era do sexo feminino e nascia um segundo filho homem, de acordo com a hierarquia real o trono deveria ser ocupado não pela mulher primogênita, mas pelo primeiro homem da família. É provável que o primeiro e terceiro filho formem alianças contra o do meio, assim como o filho do meio se sinta pressionado e enxergue o mundo como injusto.

Além disso, os gêneros podem adicionar uma camada de complexidade na ordem de nascimento. Em culturas dominadas pelo machismo, a filha pode se sentir menosprezada por crescer num ambiente masculino. E por outro lado, um menino que cresce em uma família onde o universo é feminino, ele pode passar a vida provando a sua masculinidade. Porém, nada disso é uma certeza. Para entendermos mais profundamente a personalidade de cada criança, Adler sugere não olharmos simplesmente para a ordem de nascimento, mas sim para a dinâmica familiar, ou seja, o movimento que cada criança faz para encontrar um papel social dentro da família para se sentir aceito e importante dentro do seu contexto social.

Esse movimento é a conclusão da criança do que ela deve fazer para se sentir aceita e importante naquela família. Se, por exemplo, o filho mais velho é fraco academicamente, o filho mais novo busca se esforçar para ser o “mais inteligente”. Se a irmã age de forma rebelde, o irmão pode buscar assumir o papel de pacificador e bonzinho na família. Eva Dreikurs diz: “A área onde um obtém sucesso, o outro desiste. Onde um mostra fraqueza ou deficiências, o outro se supera para ter sucesso naquela mesma área.” Isso acontece porque a família é dinâmica e complexa, e a personalidade de cada filho na família pode ser moldada não só baseada na ordem de nascimento e nos valores de cada família, mas também na decisão individual que cada filho interpreta sobre a sua própria posição naquela família. Por isso, não há uma fórmula, mas apenas tendências de movimento que cada um toma para pertencer àquela dinâmica familiar, levando em conta que o movimento é determinado por alianças ou diferenças de temperamento, caráter, interesse ou habilidades. É o movimento para encontrar um lugar na família que a personalidade é desenvolvida.

No caso de gêmeos, as pessoas sempre perguntam quem nasceu primeiro, mas pouco provável esse seja o fator que determine a personalidade dos irmãos. A dinâmica familiar pode se dar por meio da competição ou do respeito pelas diferenças entre eles. Em uma família em que todos têm um senso de aceitação, os irmãos formam alianças e assumem papéis sociais saudáveis e construtivos. Em famílias, em que os irmãos não sentem que tem um lugar na família, os filhos competem em detrimento do outro para alcançar esse senso de aceitação. Isso reforça o ponto de que a personalidade é baseada nas decisões que cada criança toma para encontrar um lugar na família, ou seja, para se sentir aceito.

A ordem de nascimento não define a personalidade da criança, mas pode servir como um palco para que a criança tome as suas próprias conclusões a partir da visão pessoal sobre a dinâmica da sua própria família.

Seguem algumas perguntas para autorreflexão:

  1. Qual a ordem de nascimento na sua família e como isso influenciou a sua personalidade?
  2. Que decisões você tomou sobre si mesmo, sobre os seus pais e seus irmãos (caso tenham algum) durante a sua infância?
  3. Quais eram os valores da sua família e como isso afeta a sua profissão?
  4. Quais são 3 valores de vida que você e seu cônjuge concordam em priorizar na sua família atual?

Quadro ilustrativo sobre a posição dos filhos, situação familiar e as hipóteses a respeito das características das crianças

POSIÇÃO SITUAÇÃO FAMILIAR HIPÓTESES SOBRE AS CARACTERÍSTICAS DAS CRIANÇAS
FILHO ÚNICO Nascer é um milagre. Pais sem experiência prévia. Mantém 200% da atenção dos pais. Pode se tornar rival de um dos pais. Pode ser superprotegido e mimado. Gosta de ser o centro da atenção. Frequentemente, tem dificuldade em compartilhar com os colegas. Prefere companhia de adultos e usa linguagem de adulto.
MAIS VELHO Destronado pelo próximo irmão. Tem que aprender a compartilhar. Expectativa dos pais é bem alta. Tem responsabilidades e é esperado que ele seja o exemplo. Pode se tornar autoritário ou rígido. Sente que o poder é seu direito desde o nascimento. Pode se tornar solicito se for incentivado. Pode buscar ajuda do pai depois do nascimento do segundo irmão.
SEGUNDO Ele tem uma referência sempre na frente. É mais competitivo, quer superar o irmão mais velho. Pode se rebelar ou tentar superar todos. Competição pode se deteriorar em rivalidade.
DO MEIO É o “sanduíche”. Pode se sentir distante de assumir uma posição de privilégio e importância. Pode ser temperamental: “é pegar ou largar”. Pode ter dificuldade para encontrar seu lugar ou se tornar um guerreiro da justiça.
MAIS NOVO Tem muitas mães e pais. Irmãos mais velhos tentam criá-lo. Nunca perderá o trono. Quer ser maior do que os outros. Pode ter grandes planos para nunca ter que se esforçar. Pode se manter como “bebê.” Frequentemente mimado.
GÊMEOS Um deles é normalmente mais forte e ativo. Pais podem enxergar um deles como mais velho. Pode ter problemas com identidade. O mais forte pode se tornar o líder.
“CRIANÇA FANTASMA” Criança que nasce depois da morte do primeiro filho pode ter o “fantasma” na sua frente. Mãe pode ser superprotetora. Criança pode manipular a preocupação excessiva pelo seu bem-estar, ou ela pode se revoltar e protestar os sentimentos de ser comparada à uma memória idealizada.
CRIANÇA ADOTADA Pais podem ser muito gratos para ter um filho que eles acabam por mimá-lo. Eles podem tentar compensar pela perda dos pais biológicos. Criança pode se tornar muito mimada e exigente. Eventualmente, ela pode ressentir ou idealizar os pais biológicos.
UM MENINO ENTRE MENINAS Normalmente está com as mulheres o tempo todo se o pai estiver distante. Pode tentar assumir o papel de homem da família ou se tornar mais afeminado.
UMA MENINA ENTRE MENINOS Irmãos mais velhos podem agir de forma protetora. Pode se tornar muito feminina, ou agir como os meninos para superá-los. Pode tentar agradar o pai.
SÓ MENINOS Se a mãe queria uma menina, pode ser tratado como uma menina. Criança pode aceitar o papel que lhe é oferecido ou protestar vigorosamente.
SÓ MENINAS Pode ser tratado como um menino. Criança pode aceitar o papel que lhe é oferecido ou protestar vigorosamente.

Fontes:

  • Sobre Birth order and intelligence: Who’s the number one son? (24 de outubro de 2015). The Economist, pp. 75-76
  • Stein, Henry T., Adlerian Overview of Birth Order Characteristics. http://www.adlerian.us/birthord.htm acessado em 29/setembro/2018.
  • Ferguson, Eva Dreikurs. Adlerian Theory, An Introduction. Chicago: Adler School of Professional Psychology, 1999.