A importância do brincar livre na educação e no desenvolvimento infantil. Maria Alice Fontes

Você se lembra das suas brincadeiras de criança, das tardes com as amigas brincando de bonecas, subindo em árvores, brincando de pega-pega, ou sozinho, inventando suas próprias artes? Talvez não dê tanto valor, mas tudo isso foi fundamental para o desenvolvimento do adulto que você é hoje.

No último dia 28 de abril, comemoramos o dia da educação, que tem como objetivo reforçar a importância da educação sobre diversos aspectos. E quando falamos de educação infantil, sabemos que ela é repleta de desafios tanto no ambiente familiar quanto nas práticas pedagógicas.

Cada vez mais, as crianças precisam lidar com agendas cheias de atividades, esportes, idiomas, apoios pedagógicos. Com isso, muitas vezes as brincadeiras ficam em segundo plano. E ainda que seja com excelentes intenções, pais e mães acabam sobrecarregando os filhos. É aí que entra a necessidade de se compreender a importância do brincar livre.

Quando falamos em “brincar livre”, nos referimos a toda atividade lúdica onde a criança é protagonista, criando suas próprias brincadeiras e decidindo como, onde e com quem brincar. Desse modo, os pequenos exploram seu próprio universo,  descobrindo coisas novas e desenvolvendo habilidades. 

É claro que os pais têm um papel fundamental no desenvolvimentos das habilidades dos filhos, mas o livre brincar é fundamental para as bases da saúde mental das crianças e adolescentes.

Em um artigo de setembro de 2023 do Journal of Pediatrics, Peter Gray, professor de psicologia e neurociência do Boston College, argumenta que “uma das principais causas do aumento dos transtornos mentais é a diminuição das oportunidades para crianças e adolescentes brincarem e se envolverem em outras atividades independentes da supervisão e controle direto dos adultos.

O uso excessivo ou inadequado das telas por crianças e adolescentes está ligado ao aumento dos índices de ansiedade e depressão, distúrbios de atenção, atraso no desenvolvimento cognitivo e da linguagem, miopia, sobrepeso, problemas de sono, riscos de abuso e vitimização sexual, ameaças à privacidade e de uso de dados pessoais, além de risco de vícios em jogos eletrônicos e uso de aplicativos.

A última pesquisa TIC Kids Online, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), mostra que em 2022, 92% da população com idade entre 9 e 17 anos eram usuários de internet, sendo o celular o dispositivo mais usado por crianças e adolescentes. 

Recentemente, o Brasil deu um importante passo na proteção das crianças e adolescentes no mundo virtual. Em breve, as empresas que atuam no país terão de seguir as normas definidas para controlar o uso da internet por jovens, sobretudo os mais novos, muitas vezes expostos a assédio, abusos, discriminação. 

A iniciativa é muito bem vista, afinal, toda criança precisa de limites claros e de brincar livremente para o desenvolvimento físico, motor e emocional. 

Os benefícios do brincar livre

Com o brincar livre a criança se reconhece no mundo e constrói seu papel. Mesmo de forma lúdica já há o início da construção da identidade e desenvolvimento da personalidade. 

  1. promove autonomia
  2. aguça a imaginação
  3. estimula as percepções corporais
  4. melhora a comunicação
  5. encoraja a interagir com outras crianças
  6. aperfeiçoa a fala através de sons, conversas e repetições
  7. fortalece os laços familiares
  8. desenvolve a auto regulação do comportamento
  9. estimula o foco e a concentração

Brincar dirigido X Brincar livre

O brincar dirigido é importante, mas quando retiramos o adulto conduzindo a brincadeira, a criança é capaz de desenvolver habilidades importantes para o futuro. O brincar livre permite que o indivíduo em formação acesse e explore seu próprio mundo interior. 

Criar histórias, inventar personagens, formar um pequeno universo cheio de magia é a base para que a criança atinja sua capacidade imaginativa e estruture sua criatividade. Coragem, força, determinação, autoconsciência, resiliência e criatividade são justamente algumas das habilidades mais requisitadas no mundo adulto. A criança desenvolve tudo isso brincando livremente.

E que tal brincar livremente usando a natureza? Segundo o WWF, os benefícios do contato com a natureza para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social das crianças são incontáveis. Pesquisas publicadas no Journal of Environmental Psychology e no Journal of Child Psychology and Psychiatry e a Sociedade Brasileira de Pediatria, indicam que a exposição à natureza pode reduzir os sintomas de transtornos do neurodesenvolvimento, melhorar a concentração, diminuir os níveis de estresse e promover uma maior interação social.

Como incentivar o brincar livre?

Os pais e cuidadores podem incentivar o brincar livre das crianças de diversas formas:

  • Ofereça tempo e espaço: é importante que as crianças tenham tempo e espaço para brincar livremente. Ofereça um ambiente seguro e confortável para as crianças explorarem, sem regras ou limitações.
  • Forneça recursos variados: forneça recursos variados para as crianças explorarem, como brinquedos simples, tecidos, papel, tintas, massinha e outros materiais.
  • Deixe a criança escolher: permita que as crianças escolham o que querem brincar e como querem brincar. Isso permite que elas tenham controle sobre a sua própria experiência.
  • Incentive a criatividade: incentive as crianças a usarem a sua imaginação e criatividade para criarem as suas próprias brincadeiras.
  • Participe na brincadeira: Seja um participante ativo. Isso mostra às crianças que valoriza e respeita as suas brincadeiras e ideias. Além disso, pode ser uma oportunidade para se conectar com elas e criar laços emocionais mais fortes.
  • Limite o uso de tecnologia: Embora a tecnologia possa ser divertida, pode ser prejudicial ao brincar livre das crianças. Limitar o uso de dispositivos eletrónicos e televisão pode encorajar as crianças a explorar outras formas de brincar e a conectarem-se com o mundo ao seu redor.
  • Ofereça tempo livre: Certifique-se de que as crianças têm tempo livre suficiente para brincar livremente. A sobrecarga de atividades pode interferir na capacidade das crianças de experimentarem o brincar livre e o mundo na sua plenitude.
  • Não faça julgamentos: Não julgue as brincadeiras das crianças ou tente direcionar as suas atividades para um resultado específico. Permita que as crianças sejam livres para experimentar e aprender.

E se a tecnologia bate à porta todos os dias, vale lembrar que a tela não é uma brincadeira e, sim, uma forma passiva de distração, por isso os pais devem orientar o uso e estabelecer limites. Ao estimular e permitir que as crianças brinquem livremente, ajudamos os pequenos a desenvolver habilidades importantes que os acompanharão por toda a vida.

Platão já dizia que “nossas crianças, desde os primeiros anos, devem participar de todas as formas válidas de brincar, pois se elas não estiverem cercadas dessa atmosfera, nunca poderão crescer para se tornarem cidadãos exemplares e virtuosos”.

Colaboração: Mônica Merlini

Fontes:

https://www.unicef.org/brazil/media/23611/file/o-cuidado-integral-e-a-parentalidade-positiva-na-primeira-infancia.pdf

http://www.juventudect.fiocruz.br/node/215

https://www.paho.org/pt/noticias/17-6-2022-oms-destaca-necessidade-urgente-transformar-saude-mental-e-atencao

https://www.wwf.org.br/?86440/Pesquisas-mostram-beneficios-da-conexao-com-a-natureza-para-saude-fisica-e-mental

https://www.jped.com.br/pt-o-impacto-do-meio-ambiente-articulo-resumen-X2255553622032110

https://www.mds.gov.br/webarquivos/arquivo/crianca_feliz/Treinamento_Multiplicadores_Coordenadores/IMPACTO_DESENVOLVIMENTO_PRIMEIRA%20INFaNCIA_SOBRE_APRENDIZAGEM.pdf