Assim como nosso corpo quando está ativo, nosso cérebro está constantemente submetido a múltiplas funções que exigem atenção, processamento de informações, memória, modulação emocional. Mas o que acontece com o cérebro quando não fazemos nada? O cérebro continua em atividade? A resposta é sim!
Nas últimas duas décadas, pesquisadores descobriram a Default Mode Network (DMN), em português, Rede de Modo Padrão. Essa descoberta aconteceu ao acaso, quando os pesquisadores conduziam estudos de neuroimagem funcional, e perceberam certos padrões de atividade cerebral consistentes quando os participantes eram convidados a não pensar em nada, e ficavam aguardando no aparelho, entre as tarefas específicas. Em outras palavras, descobriram que há uma rede neural que se torna mais ativa quando a mente está em um estado de repouso, não envolvida em uma tarefa específica.
A descoberta e compreensão da DMN representaram uma revolução na neurociência cognitiva, pois se tem descoberto disfunções na DMN em vários transtornos mentais, ou seja, para se ter saúde mental é muito importante que a nossa rede de modo padrão esteja funcionando bem!
Na depressão, por exemplo, algumas pesquisas sugerem que indivíduos deprimidos podem exibir uma hiperatividade da DMN em estados de repouso, o que está associado à ruminação e pensamentos persistentemente negativos. Outros trabalhos sugerem uma redução na conectividade entre diferentes regiões da DMN em pessoas deprimidas. Essa redução pode estar relacionada a dificuldades na autorreflexão e no processamento emocional.
Essa descoberta despertou insights sobre o papel das redes cerebrais também no tratamento psicológico. Na Terapia Cognitiva Comportamental (TCC), onde a modificação de pensamentos e comportamentos disfuncionais é fundamental, a compreensão da DMN pode fornecer insights valiosos sobre como moldar intervenções terapêuticas eficazes.
De acordo com Raichle, M. E., et al. (2001), os efeitos da rede do modo padrão incluem divagação mental, lembrança de experiências passadas, pensamento sobre os estados mentais dos outros, visualização do futuro e processamento da linguagem. Tudo isso pode ser útil na construção de uma narrativa interna, ou seja, a rede do modo padrão ajuda a pensar sobre quem você é em relação aos outros, relembrar suas experiências passadas e depois resumir tudo isso em uma auto narrativa coerente, o que está absolutamente relacionado com a capacidade de insight numa psicoterapia.
A terapia é uma jornada da mente humana. Um dos aspectos que os terapeutas exploram é a capacidade de autorreflexão e autoconhecimento. Imagine a DMN como uma lente que nos permite refletir sobre nós mesmos. Na TCC, essa capacidade de olhar para dentro é como uma lanterna que ilumina padrões de pensamento que podem estar nos prejudicando.
A DMN também ajuda a reviver memórias autobiográficas. Isso é fundamental na TCC, pois muitas vezes nossas interpretações de eventos passados influenciam nosso presente. Reprocessar essas memórias pode ser a chave para mudar nossa perspectiva.
Às vezes, é preciso desligar a DMN para viver o momento presente. Isso é especialmente verdadeiro durante exercícios de mindfulness na TCC, onde focamos no agora, aceitando-o sem julgamento.
Além de tudo isso, a DMN está conectada a regiões que regulam nossas emoções. Na TCC, os terapeutas nos ajudam a reformular pensamentos negativos, promovendo uma maneira mais saudável de lidar com nossos sentimentos.
A DMN também é nossa aliada quando imaginamos possíveis cenários futuros. Na TCC, podemos praticar estratégias adaptativas visualizando situações desafiadoras, aproveitando a capacidade da DMN para simulação mental.
Tolerância ao Desconhecido: a DMN nos ajuda a lidar com a incerteza. Na TCC, aprender a tolerar a ambiguidade é uma habilidade valiosa, e a DMN desempenha um papel vital nesse processo.
Um estudo recente de Fang e colaboradores (2024) destaca o papel de padrões de conectividade funcional como biomarcadores para prever a resposta à TCC em transtornos de ansiedade e transtorno obsessivo-compulsivo. Os achados enfatizam a importância da incorporação de medidas de neuroimagem para aprimorar a compreensão dos mecanismos neurais subjacentes aos resultados do tratamento.
Na essência, a DMN é como o maestro invisível conduzindo a sinfonia da nossa mente. Na TCC, os terapeutas sintonizam essa sinfonia, ajustando as notas para criar uma melodia mais harmoniosa. Compreender como nossa mente opera, especialmente através da DMN, abre portas para uma terapia mais eficaz e nos guia em direção a uma jornada de autodescoberta e transformação.
Fiquem atentos, pois a neurociência está se unindo à psicologia, tanto no entendimento dos transtornos mentais, como no estudo da eficácia dos tratamentos.
Colaboração: Mônica Merlini
Fontes:
Raichle, M. E., et al. (2001). A default mode of brain function. Proceedings of the National Academy of Sciences, 98(2), 676-682. https://doi.org/10.1073/pnas.98.2.676
Mısır E, Alıcı YH, Kocak OM. Functional connectivity in rumination: a systematic review of magnetic resonance imaging studies. J Clin Exp Neuropsychol. 2024 Feb 12:1-28. doi: 10.1080/13803395.2024.2315312.
Fang A, Baran B, Feusner JD, Phan KL, Beatty CC, Crane J, Jacoby RJ, Manoach DS, Wilhelm S. Self-focused brain predictors of cognitive behavioral therapy response in a transdiagnostic sample. J Psychiatr Res. 2024 Mar;171:108-115. doi: 10.1016/j.jpsychires.2024.01.018.